sexta-feira, 4 de março de 2016

 Angra do Heroísmo, 4 de Março de 2016

Querida Prima Nícia:

Hoje ao acordar lembrei-me que é o dia do teu aniversário e então vieram-me à lembrança tantas recordações , tanto do que já passou, e tantos momentos que vivemos juntas na nossa meninice. Abri a caixa de fotos antigas e encontrei fotos dos teus pais, dos teus irmãos, dos casamentos e de outros momentos felizes, mas a que mais me encheu de nostalgia foi esta que te mando. Lembraste de como nos sentimos cúmplices, e ao mesmo tempo um pouco incomodadas, com aqueles vestidos tão diferentes do que usávamos no dia a dia? Recordo-me perfeitamente da azáfama da minha mãe para os fazer de um tecido mandado buscar à América, os folhos tiveram que ir à cidade, para uma senhora que tinha uma máquina especial, fazer o ajour na bainha, levavam um encaixe de tule com aplicações, e as luvas de croché vieram da ilha do Pico, onde havia senhoras exímias na sua confecção. E  assim depois dos laçarotes bem armados, ficámos prontas para a coroação, tu coroavas com os teus lindos e negros caracóis, e eu e a nossa amiga Benilde seriamos tuas pajens para te segurar a corôa. Que tempos felizes foram esses! E como o tempo voou!...
Lembro-me de que um dia estávamos a fazer os trabalhos da escola, eram  problemas com datas e numeração romana, que pediam para sabermos, quantos anos teria no ano MM, uma pessoa nascida em MCMXXV, e nós na nossa ingenuidade começámos a pensar quantos anos teríamos nessa data, 52 anos!!! E ríamos muito, porque na nossa simplicidade e inexperiência  pensávamos que esse tempo nunca chegaria, ou demoraria muito a chegar! Pois chegou e bem depressa, por sinal, e foi ultrapassado, e agora parece um cavalo, que sem freios, corre veloz! 
Durante estes anos todos, embora te tenhas afastado fisicamente, os nossos laços mantiveram-se porque temos genes comuns, e os laços de sangue são muito importantes, é por isso que me sinto feliz por ter tido muitos primos, para além de ti,  alguns dos quais já partiram, mas que me trataram sempre com muito carinho, cumplicidade e amizade, e por ser filha única sempre os considerei quer os meus primos paternos, quer os do lado materno, como meios - irmãos,  o que considero um luxo se comparado com as famílias actuais, com poucos filhos, o que fará com que os jovens não possam ter aquela cumplicidade atractiva e sentimental, a pessoas ligadas a eles por poderosos laços de hereditariedade, os primos!
Espero que visites a nossa ilha em breve, para nos voltarmos a encontrar e a reavivar as nossas experiência passadas. Quando isso acontecer, não me vais conhecer pois eu agora estou loira, para disfarçar os brancos, embora não haja nada que disfarce a idade!
Enfim, desejo-te um feliz dia de aniversário, e que contes muitos futuros aniversários, e mando-te a foto de presente, esperando que ela não se estrague pela viagem...

O Ivo manda-te os parabéns e um abraço ao José Agostinho.

Um Beijinho da tua prima Clara

PS: Não digas a ninguém que eu pinto o cabelo, pois ninguém deu isso e quero manter segredo... e não mostres esta carta a estranhos, porque desconfio que não iriam compreender, porque é que eu considero um primo como alguém de quem não podemos tirar proveito, mas mesmo assim gostamos muito, mesmo que esteja longe de nós, como tu estás neste momento, e que para mim, as melhores coisas que se podem dar às crianças não são coisas mas boas recordações!Obrigada por fazeres parte das recordações que eu tenho da minha infância!