domingo, 6 de setembro de 2015

Eu até rezava, à noite, as minhas orações!!!

Era dia de procissão em Santa Luzia da Praia da Vitória, depois do jantar, a minha avó vestia a sua casaca de brocado preto e a sua saia castanha, ajeitava o seu pelo com ganchos de osso e alisava bem o cabelo que prendia com bonitas travessas, punha a sua sombrinha no braço, pegava no missal e no seu terço e lá me levava a reboque para a missa - de - festa e sermão.

Era um martírio para mim, porque a avó era do tempo em que não havia carros e, por isso, tinha tendência para andar no meio da estrada e eu tinha que estar continuamente a puxá-la para a berma da estrada pois os carros dos americanos da base da Lajes, ali ao pé, quase no quintal, ferviam!
Na igreja era só gente de idade e adultos, as roupas cheiravam a naftalina e eu , aos pés da minha avó, sentada no pequeno banquinho de ajoelhar, olhava para o púlpito, para os torneados de madeira com uns anjinhos todos pretos, até as asas, e para o pregador, atónita sem perceber nada, mas pareceu-me, a certa altura, perceber que ele ameaçava os presentes! Mas porquê se eu até fazia tudo o que me mandavam e rezava à noite as minhas orações?

- Avó, ele está zangado comigo?
-Cala-te rapariga, isto não são assuntos para ti!!!
Vão-se lá entender os adultos...

Figos Pretos e Pudim Boca-Doce

Hoje  andei nostálgica.

Foi dia de festa, dia de procissão, em Santa Luzia da Praia da Vitória, terra natal da minha família materna, e não me canso de lembrar que sendo filha única gostava muito de ir para casa da minha avó para brincar com os meus primos que viviam uns em casa dela, outros nos arredores e de lembrar também o que se vivia neste dia.
Nas vésperas eu ia com a minha avó ao pomar, untar os figos da enorme e centenária figueira e lá ficavam eles a apanhar sol, esperando o dia de serem apreciados.
A minha tia Juvolina que vivia com a sua família em casa da minha avó, comprava na loja do Ratinho pudins boca-doce de variadas cores e sabores e, porque à altura não havia formas de alumínio, usava uma lata grande de conserva de frutas, frutas encanadas, como então se dizia, trazidas pelos americanos e lá punha os pudins às camadas, metendo a lata num cesto de vimes que pendurava pela asa com uma corda na cisterna, para se manter fresquinho, era o frigorífico daquele tempo!
No dia da procissão, o meio da casa tinha as cómodas enfeitadas com jarras antigas cheias de flores rústicas, que a minha tia apanhava à volta de casa, e uma grande mesa coberta com uma alva toalha de linho, de dois panos, como a minha mãe dizia, porque tinha uma costura ao meio, devido ao tear não fazer panos tão largos que cobrissem a mesa.
Vinha a família dos arredores, juncal, Canada dos Pastos, Fontinhas e sentáva-mo-nos todos a saborear a sopa de carne e o cozido feitos pela minha avó que era especialista, era mestra de funções. Depois era altura de se porem na mesa grandes pratadas de figos reluzentes que desapareciam como que por magia.
Mas o que eu esperava com impaciência, era pelo pudim boca-doce! Ainda me lembro da sensação de estar a olhar para ele enquanto a minha tia o punha ma mesa, firme, brilhante, colorido, apetitoso... e do êxtase que sentia enquanto a minha tia o repartia por pequenos pratos antigos da minha avó.
Esta história pode parecer ridícula, mas não nos podemos esquecer que naquela época, não se usavam as natas, as gelatinas, o leite condensado e quejandos e que não se faziam muitas sobremesas, só em dias muito especiais!
Infelizmente já nada disto existe, mas o meu coração permanece lá.
Sinto-me contente, por poder partilhar contigo esta história, esta vivência , este fragmento do meu passado, assim como a fotografia da minha avó com alguns dos seus netos, lembrando com muita saudade um que já partiu o José António, o menino lindo que na foto está à esquerda, de gravatinha escura.