terça-feira, 8 de setembro de 2015

Um presente de maracujás e o sótão da minha infância:


Que sentirias tu se recebesses inesperadamente em tua casa uma lindo presente de maracujás  como este que  recebi?
Ficarias feliz, naturalmente!
Pois foi o que me aconteceu, sente-se um calorzinho no coração quando se constata que alguém pensou em nós, não é?
A minha comadre e velha amiga Guida Gomes tendo vindo, da vizinha ilha de São Miguel, visitar-me, pensou em mim e na minha família e falou com o seu filho que seleccionou os melhores frutos  para nos mandar um presente de uma forma tão agradável que nos agradou e sensibilizou sobremaneira.
Quando comecei a escrever era só para te falar deste presente  mas, esta palavra presente "Guindou-me" a um episódio que me aconteceu no mês de Setembro há 60 anos passados:
Preparava-me para entrar na escola primária, como então se chamava, no dia 1 de Outubro, e assim iniciar o meu percurso académico, à altura não havia infantários, nem prés, nem nada dessas vantagens actuais, a que as pessoas de tão corriqueiras, já nem lhes dão o devido valor.
A minha mãe já me havia preparado a minha mala de cartão, não a da cantora, com o livro, um caderno de folhas de duas linhas, uma pedra com a sua esponja, como apagador, e o respectivo lápis e já me tinha feito a bata branquinha, pois à altura era assim, a bata nivelava e tapava as misérias ou necessidades, comprara-me também uma caixinha redondinha em alumínio, para eu levar um lanchinho para os intervalos, pois viria almoçar a casa. 
Muito previdente, a minha mãe, lembrando-se que " a luz que vai à frente é que ilumina", resolveu matricular-me o mês de Setembro na chamada "escola paga" , como então se dizia, para eu já ir um pouco preparada para a escola e não ter problemas de adaptação.
Lá vai a Clarinha, toda contente, com o seu avental com muitos folhos, um grande laço na cabeça, e a sua mala recheada de tesouros, para a escola da Professora Rita,que era uma regente em quem a minha mãe, e outras pessoas confiavam muito no aspecto pedagógico, chegando lá, encontra muitos alunos sentados em pequenos banquinhos à volta de uma sala e a professora, muito profissional, a chamar os nomes que tinha registado na sua lista:
- João,-presente, responde a criança! 
-Maria, -Presente,
- Ilda,-presente, 
-presente, 
-presente,
- presente, vão respondendo as crianças à chamada!
Eis se não quando, grande berreiro na sala, todos espantados sem saber o que se passava, era a Clarinha que chorava aflita por não ter levado um presente para a professora, pois só conhecia a palavra no sentido de oferecer algo a alguém quando a mãe lhe dizia:
-Vai levar este presente à vizinha, ou à tia, quando havia carne fruta, batatas,legumes ou algo mais para partilhar.
Vejam só como uns maracujás, vindos de São Miguel, tiveram o condão de me fazer voltar ao sótão da minha infância!
Obrigada amiga e comadre, pela tua visita, pelos lindos e saborosos maracujás e por me teres feito não sei porquê, talvez por estarmos no mês do regresso à escola,voltar ao sótão da minha infância!
Já agora mostro-te a caixinha de alumínio que eu levava para a escola, já tem sessenta anos, para mim é uma relíquia, com uns mimos que a minha mãe preparava, biscoitinhos e roscas feitos com a manteiga que se tirava do leite, depois de fervido, figos passados, pão com doce de uva, um ovinho cozido, fruta descascada e partida eu sei lá... os sabores, cheiros e recordações que, neste momento, me estão povoando a memória!