quinta-feira, 27 de abril de 2023

Os botões da minha infãncia:

 


Abri a caixa dos botões, e dei por mim a olhar um conjunto de botões que apertei na palma da minha mão, com carinho e saudade e me levaram à minha meninice e à história que te vou contar:

Era um Domingo de manhã e a minha mãe resolveu ir mais cedo para a igreja, na freguesia das Lajes, hoje vila, para rezar as suas orações, antes da missa. Lá me levou  a reboque, com o meu casaco de feltro vermelho, muito macio e quentinho, assertoado, com quatro botões que, com a luz, na minha imaginação, me pareciam estrelas. Naquele tempo havia botões muito bons e bonitos...

Chegadas, lá se pôs ela a rezar e eu, sentada  no  banco, com as pernas a balouçar, a olhar, com enfado, para todos os santos e à procura de distração. No banco à frente outra senhora, muito enroupada e bastante anafada, encorpada, também rezava muito concentrada. Sempre o mesmo, nada de diferente que me distraísse... eis se não quando, chega nova personagem, uma senhora com as mesmas características da primeira que  lhe pede para a deixar passar para se ajoelhar a seu lado, a senhora não se levantou, só se inclinou para trás e a desgraçada tenta passar, mas a roupa era tanta e o encorpamento não ajudava que ficaram ali as duas "entaladas" como sardinhas em lata, nem para trás nem para a frente e eu de olhos arregalados a rir, a rir que nem uma perdida...

Quando minha mãe se apercebeu do que se passava bem que me fazia cara feia e apertava o braço para que eu tivesse tino o que só passou quando a senhora lá  deu um certo jeito, deslizou e conseguiu libertar-se daquela prisão, vermelha nem um tomate, tal fora o esforço!

Vindas para casa, a minha mãe não se cansava de contar a meu pai, o vexame por que tinha passado comigo , ao que o meu pai dizia mais ou menos isto:

- Deixa lá mulher, contra um ataque de riso não se pode fazer nada! Ao que, eu à distância destes quase setenta anos, acrescentaria: - e contra um ataque de choro também não podemos fazer nada! Só nos resta rir ou chorar e no fim ficamos com a alma lavada...

Quem me dera ter vontade de rir, como naquela altura, aquele riso inocente, cristalino e saboroso, mas agora não é tão fácil!