quarta-feira, 10 de fevereiro de 2016

À janela do comboio:

O comboio corre veloz,
Pouca terra, pouca terra...
Grita ele em alta voz,
E vai atravessando a serra.

E eu calma e serena,
Olho através da janela...
Penso que a terra é pequena,
Penso em quem vive nela. 

Penso como  bom seria,
Que muito amor transportasse,
A todos os lares da terra...

Penso como bom seria,
Que alegria e paz levasse,
A todos os povos em guerra!

Clara faria da Rosa
10 de Fevereiro de 2016


Virgílio Ferreira, a minha bisavó materna e Quarta Feira de Cinzas.


Acabei de ler, pela segunda vez, APARIÇÃO (1959) de Virgílio Ferreira, escritor português que viveu entre 1916 e 1996. Desta vez fiz uma leitura diferente, pois a minha idade agora vai muito para lá  da que tinha quando o li em tempos idos. Um escritor clássico e difícil, que discute teorias filosóficas relacionadas com o existencialismo, fazendo uma radiografia da relação do homem com a sociedade, com Deus, consigo mesmo e com a morte, tendo-o feito, no caso deste livro, na primeira pessoa. Vai daí que, nesta quarta Feira de Cinzas, primeiro dia da quaresma, dia de se fazer uma reflexão  sobre o dever da conversão e mudança de vida que todos nós temos, recordando que a nossa passagem por este mundo é transitória, efémera e frágil ( é por isso que são impostas as cinzas, para nos lembrarmos que não somos nada, que logo, logo, nos tornaremos em pó que é como que diz em cinzas) , me lembrei de algumas passagens da minha leitura especialmente quando o autor se refere à morte do pai e diz:
" - Aí estás à beira da cova, na urna aberta, para te reconhecermos pela última vez, onde está a tua pessoa, onde está o que tu eras? Agora és apenas uma imagem. Que é de ti? ouço para além dos teus lábios cerrados a tua palavra grave, vejo as tuas mãos erguerem-se, povoadas de um gesto que eras tu. Não! quem te habitava já não é. Viverás ainda na memória dos que te conheceram. Depois esses hão-de morrer.Depois serás exactamente um nada, como se não tivesses nascido! Eis que começa a tua longa viagem para a vertigem das eras, para a desaparição no silêncio dos milénios. Sim, agora ainda vives para mim porque te sei.........."
Como eu, Clara, sei desta foto de tantos que já lá vão, que foram esquecidos na voragem do tempo, no meio dos quais está a minha bisavó materna Maria José, de pé, no meio dos seus irmãos, de quem tenho memória breve, de ouvir falar, não de conhecer, perturbando-me pensar que o rasto dela está suspenso de mim, porque eu tenho ainda uma pequena notícia da sua vida, um ligeiro e quase que apagado eco do que foi a massa complexa do seu ser e sentir, depois...ficará como os seus irmãos da foto, ficará nessa amarelecida fotografia de forma absurda, inquietante, incrível, com uma face a falar ainda e com um olhar que procura os que a olham, que a fitam, mas  não a sabem!
Como eu, como quem me lê neste momento, somos pessoas vivas, podemos, pensamos ter o mundo nas mãos, porque temos saúde, não pensamos na morte mas... sem que nos perguntem chegará a morte e não seremos fisicamente nada, seremos o mesmo que éramos antes de termos nascido! Então ficaremos pendentes dos nossos descendentes olharem as nossas fotos, lembrarem os nossos feitos e depois seremos cinza para lembrar neste dia ...