segunda-feira, 9 de fevereiro de 2015

Uns no limpo, outros no lixo...


Estive uns tempos ausente, pelo que me não tenho abeirado desta página. Problemas de saúde, embora sem gravidade de maior!
Sentia a visão nublada, embaciada, enevoada; Pensando precisar de lentes novas lá me dirigi ao médico oftalmologista que me explicou que isso não resultaria porque o que se passava comigo era um problema gradual de opacidade do cristalino, devido à idade, a que se dá o nome de cataratas, e que isso só se poderia corrigir através de operação. Lá fiz as ditas operações nos dias 13 e 15 do passado mês parecendo ter corrido tudo bem. Vejo agora muito bem, não precisando de usar óculos para ver ao longe, só para ler . O meu marido até diz, a brincar, que eu agora estou a ver de mais!!!
A ver de mais não diria, porque a bem da verdade, nunca se vê de mais, há sempre coisas lindas a apreciar, trabalhos minuciosos a fazer, textos bonitos a escrever, bons livros a ler e rostos queridos a memorizar, o que me aconteceu, foi que vi ontem com estes meus olhos reciclados, o que não queria nem nunca pensei ver na nossa ilha Terceira!

Ontem ao entardecer, junto à minha casa, uma anciã de rosto triste, olhar cansado e andar trémulo, vasculhava o lixo, à procura de latas e outros recipientes metálicos, que pudesse vender para ficar com mais alguns euros que complementassem a sua mísera pensão de reforma...
Foi aí que me lembrei de Saramago, o nossa Nobel da Literatura, e de uma passagem do seu livro "Memorial do Convento" que me divertiu e ao mesmo tempo me levou a uma profunda reflexão:
Conta ele que Dona Maria Ana de Áustria filha do Imperador Leopoldo de Áustria casada em 1708 com o 24º rei de Portugal, D. João V, quando queria sair do paço para as suas devoções em várias capelas, ermidas e igrejas,  acontecia o seguinte:
(e passo a citar Saramago)
"Põem-se em ala os alabardeiros, e estando as ruas sujas, como sempre estão, por mais avisos e decretos que as mandem limpar, vão à frente da rainha os mariolas com umas tábuas largas às costas, sai ela do coche e eles colocam as tábuas no chão, é um corrupio, a rainha a andar sobre as tábuas, os mariolas a levá-las de trás para diante; Ela sempre no limpo, eles sempre no lixo!"
Pois é, já se passaram mais de três séculos, e continua tudo na mesma, uns sempre no limpo e outros sempre no lixo!
E eu operei os meus olhos para ver isto...