terça-feira, 21 de abril de 2015

Não sou um caracol sem concha!

Nada se compara a andar a pé para se conhecer  bem um lugar, e foi isso, que fiz numa breve e recente permanência na cidade da Horta,ilha do Faial,  dei um pequeno passeio a pé  pela cidade e entrei no mercado municipal, um simples mas  aprazível espaço, que nos dá conta do que se produz e faz em termos artesanais por aqueles lados . Ao sair contemplo a respectiva fachada onde se podem ver  alguns painéis de azulejos em homenagem a antigas profissões: vendedores de fruta, de legumes, de  peixe de carne entre outras.                                                                                         Foi com uma certa nostalgia que me apercebi de como os lugares à semelhança das pessoas mudam quase sem que nos apercebamos disso,  basta só pensar em profissões que eram prática comum na minha infância e que o avanço tecnológico exterminou fazendo com que aparecessem novas profissões.
Basta só referir que vim ao mundo, num meio rural, pelas mãos de uma parteira que fazia o que se podia classificar de "serviço domiciliário", a tia Remédios, na então freguesia, hoje vila das Lajes, não esquecendo  que não havia rapariga casadoira que não recorresse à tecedeira para completar o seu enxoval, o amolador que passava  a apitar e amolava facas e tesouras além de ter outros préstimos como os de pôr gatos em louça ou loiça rachada, e de endireitar e consertar as varetas dos guarda-chuvas, havia o vendedor de peneiras e até se dizia que quando ele aparecia ao fim de três dias chovia, o latoeiro também tinha grandes préstimos para fazer as latas do leite e recipientes que guardavam os produtos do porco entre outros, o tanoeiro, o sapateiro o ferreiro, a ceifeira  a mulher do Pico que passava com um grande açafate à cabeça com lindos e coloridos chapéus de palha que me traziam grande alegria, pois a minha mãe todos os Verões me comprava um chapéus novo porque naquele tempo a moda era ser-se branquinha .
Enfim, não sou contra os avanços tecnológicos, nem contra as novas profissões e gosto de olhar para a frente mas também de rever o passado e estas imagens fazem parte do meu passado  como a concha faz parte de um caracol e eu não sou um caracol sem concha, tenho um passado do qual muito me orgulho!!!



Uma caixinha aveludada:

Criatividade e sensibilidade:
Estive a descascar favas, nada de especial para esta época do ano, especial foi o facto de, enquanto fazia este moroso trabalho, me ter posto a pensar, e de repente a minha cabeça ter voado para o princípio da década de setenta do século passado e me ter levado à escola da Ribeira da Areia na freguesia de Vila Nova onde eu dava os primeiros passos como professora, profissão que sempre me realizou sobremaneira. Pena é que ao longo dos anos e com a experiência adquirida e as aprendizagens feitas conclua, com muita pena minha, que poderia ter feito melhor, mas já a minha mãe que era costureira, dizia, quando deixou de trabalhar, que naquela altura é que se sentia apta para começar na sua profissão.
Mas isto tudo são desvios do assunto e do título em epígrafe. O que eu te quero contar é que, enquanto descascava as ditas favas, me lembrei de um aluno que frequentava, com os seus irmãos aquela escola, e que emigrou com a família, pelo que lhe perdi o rasto, que era uma criança muito sensível, me ter escrito numa redacção, aquilo a que hoje se chama expressão escrita, o seguinte:
---- O meu pai trouxe para casa uma saca muito grande cheia de favas e ontem à noite estivemos, todos juntos, a descascá-las.
As favas são muito engraçadas porque vêm numa caixinha verde, forrada de veludo, para não se estragarem, e têm na ponta uma boquinha que está sempre a rir.
Isto dito, mais ou menos por estas palavras, por uma criança de oito anos, em cuja família não havia o hábito de leitura, quando ainda não se via televisão e os estímulos intelectuais ainda eram poucos, deixou-me de tal modo admirada que nunca me esqueci, passados que são quarenta e cinco anos.... Quem soubesse dele e que rumo escolheu!
A criatividade e a sensibilidade são características que embora possam ser trabalhadas, são muitas vezes inatas, e podem encontrar-se nas mais humildes famílias, nas mais humildes escolas como nos colégios mais caros, até se podem encontrar numa casca de fava, transformada em caixinha de jóias, aveludada!!!