Tenho meditado muito, pensado que embora ela estivesse muito debilitada e o médico nos tivesse prevenido de que estava mal e que não reagira ao tratamento, embora tivesse a provecta idade de 89 anos, expressão que se define como idade avançada, adiantada, embora pensássemos que estávamos preparados para aceitar a realidade, isso não aconteceu, nunca acontece, nunca se está preparado, e tenho dado por mim a pensar no que ela foi, no que representou para a família, nas muitas refeições que preparou, nos jantares de Natal que passámos juntos, no carinho que dispensou ao meu filho, que numa fase da vida indagava sempre o que havia para comer cá em casa e em casa da avó, para escolher qual a mesa que mais lhe agradava, pois a avó fazia-lhe sempre uns belos petiscos incluindo pratadas de batatas fritas, que ele adorava, e que em casa comia pouco, na maneira assertiva com que sempre me tratou, no primeiro dia que fui a casa dos meus sogros, com a minha mini-saia que se usava na altura , pois como sabemos a moda repete-se, e ao sentar-me no antigo canapé a avó do meu marido, sorrateiramente, me puxou a saia para baixo e todos acharam muita graça, e na noite de Natal de 2010 em que rimos muito com ela, na foto, que já falava pouco, mas que, naquela noite se aguentou mais um bocado sem ir para a caminha, como dizia, e ao receber os seus presentes, ficou um tempão grande calada para de repente dizer, muito explicita:
- Estou sem palavras!
Pois eu, como ela, naquela recuada noite, perante a morte, essa coisa tão remota e simultaneamente tão próxima, que de repente se torna familiar e pessoal, perante este mistério, embora queira acreditar que a vida é eterna, embora se modifique, transforme ou mesmo possa assumir outra forma, não tenho palavras, só a certeza de que nunca me esquecerei da mulher, esposa, mãe e avó que ela foi!
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