quarta-feira, 11 de março de 2015

No dia em que a minha mãe chorou:

Em criança era muito tagarela, depois tive um período de maior timidez e reflexão e agora é o que se sabe, já não há remédio...
Como dizia então, em criança era uma grande tagarela e a minha mãe, coitada, tendo sempre muito trabalho, pois era costureira, aproveitava-se dessa minha característica, punha-me à janela do quarto de cama e eu ia falando com a vizinhança que passava a tratar da sua vida, e eles também se metiam comigo, pois naturalmente, achavam-me graça!
Aconteceu certo dia, que eu não satisfeita com a conversa, ou porque não passasse ninguém para eu falar, não tive mais que fazer se não descer da cadeira onde me encontrava à janela, e pegar num menino  de louça que estava sobre a mesa de cabeceira, e lá subi a cadeira, pondo-me de novo à janela com aquela imagem, à laia de boneca.
Foi então, que a minha mãe, ouvindo um barulho muito peculiar, se apressou a saber o que se passava. Tudo eram cacos  na varanda, e eu lá ia dizendo que o menino tinha caído.
 No inicio do séc. passado, na fábrica de louça de Coimbra fabricavam-se uns meninos de mãos postas,  em terracota, com uma policromia muito suave, de olhos de vidro  e com um cabelo muito encaracolado e uma inscrição na base que dizia ORAÇÃO. Eram lindos! 
Tendo a minha mãe casado no segundo quartel desse século, os padrinhos de casamento haviam oferecido duas dessas imagens -uma de roupa azul e outra cor- de - rosa que a minha mãe usava nas mesas de cabeceira. Era o luxo de decoração na altura, e agora são peças de colecção, visto serem muito raros.
Ainda hoje me lembro, do rosto triste de minha mãe, onde corriam lágrimas que ela não conseguia controlar, tal foi a desolação...
Passaram-se muitos anos, e embora eu fosse muito criança quando isto aconteceu, nunca me esqueci desse dia e desse acontecimento,e foi por isso que, tendo encontrado num antiquário uma imagem semelhante, me apressei a comprá-la. Sinto que isto atenuou, um pouco,  o pesar que senti, por muito tempo, por ter feito a minha mãe chorar!







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