sexta-feira, 20 de abril de 2018

Visitar o Senhor Espírito Santo


A malinha bordada:

Nos Açores, desde a Páscoa até aos domingos do Pentecostes e da Trindade celebram-se as festividades do senhor Espírito Santo, que têm um significado especial para todos os açorianos e que variam de ilha para ilha.
Como terceirense sempre vivi com entusiasmo este culto, e era com alegria, que via os "imperadores" ou os "mordomos", nome por que são designados as pessoas que têm a seu cargo receber em sua casa a coroa ou a vara, expoentes máximos desta devoção, entrarem na nossa casa para convidarem para a coroação ou mordomia.
Havia e, penso que ainda há, vários tipos de convites, conforme a afinidade ou parentesco, contudo nós normalmente íamos à função no Domingo e no princípio da semana fazer a visita ao Senhor Espírito Santo; É desse dia que te quero dar conta pois, para mim, era um dia de alegria.
Primeiro porque normalmente, tinha uma avental novo para usar, com folhos e um grande laço atrás e eu na minha ingenuidade sentia-me uma princesa - sempre tive tendência para ficar feliz com pouca coisa - depois ficava sempre expectante para saber o que a minha mãe ia oferecer... Por vezes era manteiga, ovos, açúcar, farinha... mas o meu delírio acontecia quando a minha mãe ia ao galinheiro e escolhia uma das melhores galinhas para meter ma sacola apropriada:
Uma mala de tecido preto com as pegas feitas de alamares e bordada pelos dois lados com um lindo ramo a ponto de  canutilho, matiz, cheio, ponto pé de flor...
Eu fazia questão de levar aquele presente, a galinha bem acondicionada de gargalo de fora, a ver novas paisagens, e eu de laçarote na cabeça, avental novo e sapatos muito bem lustrados, o meu coração saltava de contentamento!
Chegadas, a minha mãe entregava a oferta à Imperatriz ou à mordoma e ficava a adorar o Senhor Espírito Santo, e eu pernas para que te quero? Toca brincar para o sombreiro que era um grande toldo coberto de faias, onde se punham grandes mesas para as refeições dos convidados e dos que trabalhavam durante a semana para que no fim tudo resultasse, no dia da coroação e função.
A minha grande tristeza era quando a minha mãe pedia à dona da casa a "malinha" e me chamava, íamos à mesa, numa sala ao lado com uma mesa coberta de uma toalha muito bonita bordada ou de renda, onde havia massa doce, sumos e licores ou vinho e a minha mãe recebia uma grande brindeira de massa muito amarelinha e cheirosa, nome interessante para um pão,  o qual  vem da palavra primitiva brindar isto é obsequiar, agradecer, presentear,dar, mas eu não pensava em nada disto, só pensava em comer a cabeça da brindeira, coisa que não podia fazer, pois a minha mãe gostava de esperar pelo meu pai chegar do trabalho, para ele ver o lindo pão e então saborearmos em conjunto aquela delícia.
E lá voltava eu, pela mão de minha mãe, de laço ao lado,já meio desfeito,sapatos sujos e com o lindo avental sujo e amarrotado, com a mala bordada na outra mão a balouçar porque agora vinha despojada da  galinha! 
Posso não conseguir contar todas estas coisas que vivi na minha infância, mas pelo menos tentarei falar delas, e de um passado não muito longínquo, que me proporcionou muita alegria.
Cá vai a malinha  da história, bordada pela minha mãe, há muitas décadas.



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