domingo, 31 de março de 2024

Pospasto de Domingo de Páscoa:

 

Neste domingo, as famílias reúnem- se em torno de mesas mais ou menos requintadas, mais ou menos ricas, mais ou menos abundantes o que para o caso não interessa, o essencial é o espírito com que se reúnem que, para os cristãos, tem a ver com a celebração da vitória da vida através da morte que é uma coisa difícil de entender para quem não tem fé mas que com vontade  se aceita e se compreende. Já o meu pai dizia: - A FÉ É QUE NOS SALVA!

É comum, nesta época, fazerem-se folares com ovos, enfeitarem-se ovos , e oferecerem-se amêndoas cobertas de açúcar,   de várias cores e sabores, com feitio de ovo, símbolo de vida, que de certo modo lembra a ressurreição que hoje comemoramos.

Ora, como família que somos, embora muito pouco alargada, também tivemos o nosso almoço melhorado e eu, que não sou de deixar os meus créditos por mãos alheias, também fiz o meu "pospasto" palavra usada por Júlio Dinis em Uma Família Inglesa, num romance publicado em 1868, que significa sobremesa: Não foi nenhuma criação de chefe porque para isso  me falta  engenho e arte,   mas  o que faço todos os anos e a que "pomposamente" chamo  "Ninho de Páscoa" - Um bolo simples, feito numa forma que tem ao centro uma concavidade, coberto de forma muito rudimentar de chocolate e com ovos moles na cavidade e claro, para celebrar a vida, ao centro, amêndoas, coloridas, doces e a desfazerem-se na boca de fabrico regional, pela firma Basílio Simões e filhos em Angra do Heroísmo.

E pronto, acabada a Páscoa, entramos na Pascoela e logo logo, temos um pé nas festas do Espírito Santo e nas festas de Verão num ciclo, numa voragem vertiginosa que nos entontece e envelhece sem nos apercebermos.

E agora só me resta desejar uma feliz Pascoela.








sexta-feira, 29 de março de 2024

Jogos de Páscoa:

 Não sei se, atualmente, as crianças e os  jovens têm maneiras especiais de se  divertirem na época de Pascoa, quanto a mim, lembro-me muito bem do jogo do Belamento ou Belamente que me divertia bastante. 

 Primeiro havia que encontrar o parceiro ou parceiros que quisessem jogar connosco, depois, era necessário falar com a mãe para saber se ela autorizava pois, em caso de derrota tinha que se dar o prémio ao adversário. Posto isto combinavam-se as regras e a data do início do jogo e aí começava o desassossego.

Uma vez por dia ou duas, de manhã e à tarde, lá se vigiava o adversário para se ser o primeiro a gritar bem alto, para que não houvesse dúvidas,  BELAMENTO!, Por vezes, viviam-se momentos bem caricatos na ânsia de apanhar o outro jogador desprevenido...

Diariamente, fazia-se a contabilidade e numa folha de papel, iam-se registando com um simples risco ao alto os belamentos que se contavam na véspera do dia de Páscoa para se saber quem tinha mais riscos e portanto, quem era o vencedor que teria o prémio, normalmente um embrulhinho de amêndoas.

Pode parecer uma brincadeira ingénua e sem graça se comparada com  os brinquedos e jogos tão sofisticados  da atualidade  contudo, se pensarmos bem, podemos concluir o que de riqueza ao nível do desenvolvimento isto pode trazer à pessoa: interação com os outros, a procura do momento certo, o saber esperar pela oportunidade, o registar, o comparar, o aceitar que o parceiro foi mais perspicaz, o rir com ele, enfim, parece que quem jogou o Belamento  teve oportunidade de aprender a ler , um pouco, a vida!

Votos de Uma Feliz Páscoa e.... BELAMENTO!















terça-feira, 26 de março de 2024

Lembrar e preservar o passado:


Saio da Caixa Geral de Depósitos, em Angra do Heroísmo, atravesso a rua da Sé e no edifício que faz canto com a rua Direita, olho 
uma loja que vende roupa de homem mas, no meu pensamento, vejo a loja Berbereia & Lourenço, que funcionava  naquele espaço na década de cinquenta do século passado, da qual exalava um cheiro a café do outro mundo! Entro pela mão de minha mãe  e então, admiro-me  e delicio-me com a profusão  de diferentes produtos e com o agradável odor a café. Após algum tempo de espera, pois o espaço era muito procurado, lá atendem a minha mãe que sempre que vinha "à cidade", aproveitava para se abastecer e lá pede:  - cevada, café para misturar com a cevada, para ficar mais barato e algum café em grão que mais tarde poderia torrar e moer, tudo embrulhado em papel que o empregado fechava com um jeito de dedos muito hábil e peculiar,  que eu apreciava encantada. Já em casa,  toca de ferver água e pôr sobre a cevada com uma colher de sopa de café misturada, que depois punha a coar num saco branco, com feitio de funil que, estava sempre preparado para exercer as sua funções. E, pronto, era a nossa bebida misturada com leite.

O que te conto, faz  parte da minha herança, da minha cultura e até certo ponto da cultura de Angra do Heroísmo. Acredito que, todas as famílias têm histórias que, se forem contadas, passam a fazer parte da história de todos e ajudam os mais jovens a ter a noção do  passado mais afastado ou mais recente... Ou pensam que foi sempre sentar à mesa de um café e pedir uma bica ou um  galão?!

E a comprovar tudo isto aqui vai o meu vetusto moinho que moía os acima citados grãos, cujo pó ia caindo na gavetinha !



sexta-feira, 8 de março de 2024

 

No dia da Mulher:


-Monólogo de uma Mulher inquieta:
Muitas vezes me enfrento e interrogo se estarei à altura, se sou uma mulher na verdadeira acepção da palavra, uma mulher perfeita, em plenitude, e claro que concluo que estou muito longe disso. Na verdade, penso que essa é uma tarefa inglória e praticamente inatingível, por isso dou por mim a dizer para os meus botões:
- Deixa para lá, Clara, ninguém é perfeito neste mundo, o que deves é enfrentar os teus defeitos, tentar melhorar, e vive a vida com alegria!
Mas, bem lá no fundo, há uma vozinha que me "azucrina" a cabeça e me diz:
-Clara, para seres uma mulher perfeita tens que te referenciar pelos valores e sabedoria legados pelas gerações anteriores.
-Mas, como posso fazer isso, penso eu, se não sou lá grande coisa, se muitas vezes, mesmo sem me dar conta, sou voluntariosa, preguiçosa ingrata, pouco tolerante, imperfeições a que poderia juntar muitas mais...
-Já é muito bom quando reconhecemos os nossos defeitos, as nossas imperfeições, e quando nos interrogamos se estamos à altura do que os outros esperam de nós! - Sussurra a vozinha, lá muito no fundo do meu eu.
- Na verdade, penso eu, tenho sorte, pois apesar dos meus defeitos, sou tolerada pelos que me conhecem e contactam comigo , sou aceite com as minhas imperfeições!
-Pois é, diz-me a voz, a Mulher não tem que ser perfeita, impecável, adorada, reverenciada, tem é que ser amada, percebida e respeitada pelo que é e como é, com as suas virtudes e os seus defeitos.
-Ainda bem, concluo eu, assumo as minhas imperfeições e reconheço a sorte de ser amada, tolerada e compreendida; É esta sensação que me dá segurança e vontade de enfrentar os vendavais com que me tenho deparado ao longo da vida, nesta minha situação e qualidade de "Mulher imperfeita".
Que sejamos felizes, na nossa imperfeição, como somos , na nossa tentativa de acertar, é o que desejo a todas as mulheres, afinal não somos amores-perfeitos!

quinta-feira, 7 de março de 2024

 


Não escolhi!


Não escolhi,

Mas mulher nasci

E aceitei...

As dores, os sofrimentos,

As alegrias e bons momentos,

O perfume da maternidade,

A bondade e a maldade...

Não escolhi,

Mas mulher nasci

E aceitei...

As flores que me foram dando,

Os espinhos que foram picando,

Com força , com vontade

De a vida melhorar,

De as mulheres valorizar...

E se pudesse renascer, 

E se pudesse escolher,

Escolheria ser mulher,

E passar o que já passei,

Hoje, dia da mulher,

E todos os dias, meses e anos,

Porque as mulheres são árvores

Com raízes profundas e fortes,

Que se espalham... 

Nos dias, nos meses, nos anos,

Na vida! 


 CLARA FARIA DA ROSA,

DIA DA MULHER.

sábado, 24 de fevereiro de 2024

As voltas da vida:

















O meu pai era agricultor, pelo que vivíamos do produto do seu trabalho na terra e da criação dos animais, comprávamos poucas coisas, tínhamos produtos hortícolas com abundância, frutas da época, milho e trigo que depois de moídos eram transformados em fornadas de pão, tínhamos sempre galinhas em abundância , porcos e vacas. Logo pela manhã o meu pai saía de casa com o seu traje de cotim e "Jaqueta" no ombro para ir tirar leite às vacas depois do que ia até ao engenho/desnatadeira deixar o leite para ir para a fábrica dos laticínios, não sem antes apartar o necessário para o gasto de casa, lá trazia uma bilha reluzente com o leite ainda quente, do mojo da vaca, para a minha mãe preparar as sopas de leite com pão de milho migado que eram acompanhadas com peixe frito, linguiça frita, algum torresmo que a minha mãe tirava da gordureira ou outra iguaria, também fazia queijos e fervia o restante que, depois de frio, formava à superfície uma crosta de nata que era guardada numa tigela com um pouco se sal. A tigela ia-se enchendo até quase a transbordar aí, a minha mãe fazia biscoitos de natas ou  anunciava: - Está na altura de serem batidas! Então, eu sentia um calafrio na coluna porque percebia logo que era tarefa que me estava destinada!

Batia, batia, batia - não havia batedeiras eléctricas - até que, como que por magia, aquele creme se transformava na mais bela manteiga que jamais viria a comer. Pode haver manteiga de muitas marcas, de muitas fábricas , com sal, sem sal,  gorda  e magra, se bem que eu não compreenda como é que a manteiga possa ser magra, mas não há nada que se compare àquela manteiga sobre uma fatia de pão caseiro, penso que os da minha geração me compreenderão!

Foi-se a lavoura, a vida mudou, e eu comecei a frequentar a casa dos meus sogros e não é que por acaso deparo-me com um objecto que me era estranho, um grande frasco de vidro, com umas pás de madeira na tampa, que eram introduzidas no interior do frasco e que giravam quando se rodava   uma manivela com cabo também de madeira. O desconhecido objecto, segundo me disseram, fora trazido da América pelos avós do meu marido no início do século passado, década de 20, com a inscrição: DAZEY CHURN M.F.G.  Nº20 - MADE IN ST. LOUIS - U.SA. 2QT e tinha a finalidade de bater manteiga.

Fiquei espantada e desiludida. Afinal, quando tínhamos  vacas a dar leite do qual obtínhamos, artesanalmente, manteiga, não conhecia este precioso objecto, quando o descobri, já não havia vacas...  a vida, muitas vezes, dá-nos a volta!