domingo, 31 de maio de 2020

Em dia de Bodo:



O vestido tristonho...
Em tempos idos, quando eu era jovem, as pessoas preparavam-se para  este dia em termos de indumentárias, os homens usavam o seu fato escuro e punham gravata e as mulheres faziam novas toaletes, conforme ditava a moda da altura e lá iam em alas
 acompanhando o imperador para a igreja cujo altar-mor ficava parecendo um coro celestial com as crianças da "briança"  todas de branco. Assistia-se à missa  que culminava com  a coroação acompanhada  do  Veni Criator Spiritus,  por entre uma nuvem de incenso queimado no  turibulo,  que balouçava na mão do sacristão. 
Era então a altura de se formarem novas alas e de se dirigirem para o império e despensa para aguardar a distribuição do bodo: pão, em grandes cestos de vimes e vinho para quem lá estivesse quer residentes quer forasteiros...
O meu conterrâneo e amigo José Eduardo Espínola diz que, segundo reza a história, "em dia de bodo os bêbados não se imbobedam"
Nas varandas, as raparigas exibiam as suas roupas novas e namoriscavam os rapazes que, do terreiro, lhes atiravam confeitos para  chamar  a atenção e eu, pobre de mim, fazia parte deste grupo, contudo um pouco triste porque, tínhamos estado a ultimar as roupas das clientes até à última hora e,  usava roupa desactualizada e sem graça, não houvera tempo de reformar o meu guarda-roupa!
Passaram-se muitos anos, na minha última viagem a Lisboa vi um vestido que entendi  ser indicado para a minha idade, para o meu corpo e para a minha carteira e comprei-o pensando com os meus botões:
- Vai servir para usar no dia do Bodo e em algumas festas de Verão!
Passaram-se  os meses, veio esta pandemia e tudo mudou: 
- Quando eu era jovem e  havia bodos e festas na ilha Terceira eu não tinha roupa nova para usar e agora que tenho roupa nova para usar não há bodos nem festas - o que é um mal menor perante tanta tristeza que vai por esse mundo fora!
Então, na falta de oportunidade de usar o dito e pensando que vai ficar desactualizado aqui vai ele, dou-lhe esta oportunidade de aparecer, tristonho, tristonho, como a sua dona, por não ter ocasião de arejar, de dar à perna, de se divertir... 
A vida tem destas coisas!